quarta-feira, 11 de abril de 2012

Um menino chamado EU

                                    
Era uma vez um menino que se chamava Eu. Sim, é um nome absurdo, mas era esse o seu nome. Crescera no seio de uma família numerosa que se reunia aos domingos sem, no entanto, que os seus nomes fossem esquecidos durante os outros dias da semana. Existia um vínculo invisível que fazia com que estivessem presentes diariamente nas conversas do almoço, nos planos em vista, nos comentários sobre o jogo de sueca do domingo anterior, enfim, era uma verdadeira família, dessas que quase não existem mais nos dias de hoje. Naquela época o menino eu não estava ciente do mundo fora desse círculo familiar, aliás, círculo que viera de outro país, com outra cultura e valores, e que se preservava fechado no mais que pudesse.
Os anos se passaram e o menino cresceu. Não foi possível evitar que ele conhecesse outros, que se apaixonasse ou que mostrasse talentos, nem puderam evitar o pior: que ele crescesse! Só que havia crescido e não encontrava mais a sua família por perto e as outras que encontrava eram muito diferentes da que tivera. O mundo havia mudado sem que ele tivesse percebido, pois ele havia mudado também, direitinho como o mundo havia planejado de antemão. O jovem havia descoberto no mundo umas portas largas e passava uma após a outra. Nem havia prestado a atenção numa portinha pequenininha, que nem parecia porta – jurava que fosse janela! – e que ficava onde suas lágrimas mais tarde começariam, por fim, a cair. Quando o jovem descobriu seu pequeno coração e o viu todo molhado por causa das chuvas choradas de todos os seus dias, decidiu então deixar o tempo que ficou pra trás de verdade, bem para trás; muito mais distante ainda do que possam imaginar, mas tão distante, tão mesmo, que quase não mais se via de tão pontinho que tinha ficado lá na linha fininha do horizonte da sua vida, até então.
Quando descobriu essa portinha pequenininha, o jovem que se chamava Eu saiu por ela e sentou numa calçada de cimento que parecia enorme, bem grandona mesmo, porque ele havia se transformado em um menininho de novo. Pegou um pedacinho de tijolo e começou a desenhar um sol gigante, daqueles com raios todos tortos, um menor que o outro, mas bem bonito – lindo mesmo, só vendo!
Depois, fez uma casa toda quadrada, com duas janelas e uma porta, todas abertas – nem tinha trincos ou fechaduras, porque ele não tinha desenhado nenhum ladrão – e do lado da casinha, que parecia mesmo de tijolos por causa da cor das linhas, fez um menininho de cabeça redonda, com os braços pro alto, com sorriso de meia lua, dois pontinhos de olhos, um risquinho de nariz e mais uns rabiscos de cabelo. Desenhou uma árvore e descobriu que a diferença entre nuvens e copas de árvores é só uma questão de cores, porque desenhava igualzinho, tipo um pompom de algodão.
Quando terminou seu desenho veio uma chuva bonita de verão e cheirosa de terra. Depois, rapidinho, abriu um sol lá longe que nem se pode imaginar! Nem adianta! Era lindo mesmo – muito mais bonito que esse daí que você pensou! – e teve até um arco-íris que parecia uma ponte entre as duas serras. Foi então que o menino percebeu que não havia sido mais aquela sua chuva chorada que tinha caído em seu coraçãozinho, mas uma chuva lá de cima, uma chuva gostosa! Então o menininho abriu os braços e deu um sorriso feliz pro sol que havia voltado!
E quem pôde ver de longe aquilo tudo acontecendo – até lá de muito longe, lá daquele pontinho na linha fininha do horizonte – parecia mesmo que o que se via fosse igualzinho ao desenho que o menino havia feito na calçada. Parecia mesmo! Só vendo…
[ José Roldão ]

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